Blog da Maíra

Carta aberta aos acadêmicos de medicina de 2025

Publicado em 18/05/2025

Prezado acadêmico

Se você está lendo isso, é porque escolheu um caminho de imenso valor e, ao mesmo tempo, responsabilidade. A medicina não é apenas uma carreira – é um chamamento. E dentro dele há algo mais profundo que os livros e as provas não ensinam: o propósito.

Em algum momento, você sonhou em cuidar de vidas. Talvez foi ao ver alguém querido ser cuidado com dignidade ou no brilho nos olhos ao visitar um hospital pela primeira vez ou influenciado por alguém que você admira e ama seguir essa carreira. Talvez foi o desejo de ser parte da cura, do alívio, da esperança. Seja qual for a origem do seu sonho, não o perca de vista e nunca deixe de acreditar no que te trouxe até aqui.

Com o tempo, a gente passa a não romantizar a medicina mais. A jornada é longa, exaustiva e, muitas vezes, solitária. Você verá colegas desistirem, sentirá o peso das noites sem dormir, das cobranças, do medo de errar. Mas também verá algo que poucas profissões permitem: o milagre da vida, a força da empatia e o poder das 'trocas" que temos com outros seres humanos.

Lembre-se do seu juramento, que será em breve, não como uma formalidade de formatura, mas como um compromisso com o seu paciente. Devemos ser servos do nosso próximo e não do nosso próprio ego. Que você nunca esqueça que, por trás de cada prontuário, há um nome, uma história, uma família e uma alma. Não é a "vó", a "diabética", a psicótica", esses pacientes tem nomes, ok?

Seja fiel às suas escolhas e lute por elas. Você sempre terá que escolher entre o que é certo e o que é mais fácil. Opte sempre pelo que te fará dormir tranquilo a noite, sem arrependimentos. Haverá pressões, interesses, desilusões. Mas mantenha-se firme no que é justo, ético e humano. Não se renda à frieza que, às vezes, permeia os corredores das instituições. Não permita que a rotina roube a sua capacidade de se emocionar com uma alta, de chorar por uma perda, de sorrir com uma boa notícia.

A medicina não nasceu para virar produto de marketing. Não se renda à tendência do “high ticket”, que transforma o cuidado em mercadoria. Não se iluda com promessas de lucro rápido através de soroterapia ou hormonioterapia, sem embasamento em ciência. Você estudou (e estuda) para mais do que isso. Você prometeu mais. E os seus pacientes merecem mais.

A sociedade precisa de médicos e médicas que sejam mais do que técnicos - precisa de seres humanos dispostos a cuidar com o coração - e que trilhem seu caminho sem atalhos.

Então continue, persista. Honre o seu propósito todos os dias, mesmo nos dias em que parecer difícil lembrar dele. Você já é parte de algo maior e seu caminho fará a diferença – para você, para seus pacientes, e para o mundo, nem que o seu mundo seja o seu bairro.

Com esperança,

Maíra Malvar

Porque medicina? Porque psiquiatria?

Publicado em 15/05/2025


Desde que eu me entendo por gente, eu já sonhava em ser médica. Minhas bonecas eram as minhas pacientes, tornaram-se pacientes oncológicas, em sua maioria, pois eu raspava seus cabelos para dizer que estavam doentes. Além de oncologista, eu já quis ser cirurgiã e pediatra. Essas possibilidades foram sendo excluídas, uma a uma durante a minha graduação, por não se encaixarem no meu perfil. Na minha infância eu achava que os médicos eram heróis de jaleco, que eram pessoas bondosas e que sempre buscavam praticar o amor ao próximo. Pobre criança, essa seria uma das suas primeiras lições. Medicina é uma profissão como qualquer outra, sem glamour.

Sempre fui muito dedicada aos estudos, mas nas escolas que eu estudei eu não me sentia muito desafiada. Foi quando fui pra escola mais exigente que eu poderia ir, no segundo ano do Ensino Médio, onde vi que o "buraco era mais fundo", que se eu quisesse entrar em medicina teria que me esforçar muito mais do que eu fiz na minha vida toda. E assim foi, as coisas se encaminharam e eu passei na Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. A jornada não foi tão fácil assim. Eu sempre fui uma pessoa muito sensível e emotiva. Diante de diagnósticos com prognósticos ruins eu sucumbia ao choro e ficava o resto da semana pensando nisso. Até que um professor de semiologia me emprestou um livro da Elizabeth Kluber Ross "Sobre a morte e o morrer". Esse livro foi um divisor de águas na minha vida e passei a encarar a morte sob uma outra perspectiva. Até que, no ano seguinte, na minha primeira aula prática de neurologia na Santa Casa, quando fui avaliar uma paciente em coma no CTI, ela estava em morte encefálica e eu e meu professor que percebemos isso. Eu não parava de chorar e ele, com toda sua humanidade, disse exatamente o que eu precisava ouvir naquele momento! Nesse dia eu entendi o verdadeiro significado da palavra mestre! E de lá pra cá, precisei recorrer a ele em vários outros momentos! As tragédias fazem parte da nossa prática e torná-las menos dolorosas pros pacientes e suas famílias não tem preço.

Eu sempre fui daquelas que mergulhava "de cabeça" nas especialidades (tudo bem, cirurgia e ginecologia e obstetrícia talvez não) e eu sempre via potencial nelas. Como eu gostava de um pouquinho de tudo, comecei a acreditar que era na clínica médica que eu encontraria o meu espaço. E assim foi. Vivi a residência com entusiasmo e, ao mesmo tempo, com as angustias inerentes de uma médica recém-formada. No início temos a sensação de que não sabemos nada (o que é verdade), no meio do processo essa sensação só aumenta e no final, ao olhar pra trás, percebemos o quanto evoluímos. Mas já durante a minha residência de clínica, eu percebi que talvez não fosse uma especialidade pra mim. Eu era pouco objetiva nas anamneses, sempre queria saber o "algo a mais". A cada dia, eu percebia que o ser humano é biopsicossocial e que não dá pra separar essas características. Por muito tempo, não me via fazendo uma subespecialidade clínica, sentia que não seria completa.

Foi então que no meu segundo ano fiz meu estágio optativo, que escolhi ser na saúde mental, ali descobri que aquela especialidade seria o meu lugar. As histórias me parecem mais estórias, a mente humana é linda demais, sendo considerada "normal" (não gosto dessa palavra) ou patológica. Eu nunca cairei na rotina, nunca, cada indivíduo é único e me conta fatos igualmente únicos. A psiquiatria me permite fazer a diferença na vida de muita gente, de aliviar sofrimentos, ajudar a devolver a funcionalidade dos pacientes, reinserindo-os na vida que tinham antes. Voltei a acreditar naquele "herói sem capa".

Você conhece alguma outra especialidade que depende 100% da sua escuta e nada de exames complementares? Medicina raiz é assim.

Aos pacientes eu sempre digo que um diagnóstico não é uma sentença e que ele não os define.

Desafios? Temos, e muitos, principalmente o de vencer o preconceito da sociedade com os pacientes e com os profissionais de saúde mental.

Amo a minha escolha e escolheria mil vezes!

Bom dia!

Maíra Malvar

Saúde

Atendimento em psiquiatria e saúde mental

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